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domingo, 3 de fevereiro de 2008

Recapitulando...

Quando imaginamos que um assunto já está encerrado, que o passado empurrou-o para longe e fez com que repousasse nos recônditos da memória, eis que aflora e bate à nossa porta.

Literalmente bate à nossa porta.

Hoje, quando ia entrar em meu apartamento, dei-me com um homem aparentemente estranho à minha porta. Ia tocar a campainha, mas nem deu tempo. Surpreendeu-se com meu surgimento repentino e por milésimos de segundos paralisou...

- Você é um dos salvadores do meu apartamento?

Há pouco mais de um mês, relatei aqui o caso do incêndio num apartamento em meu prédio, o qual conseguimos apagar a tempo (veja em http://hugoharris.blogspot.com/2007/12/fogos-de-ano-novo-antes-da-hora.html). Como descrevi na época, tivemos sorte pois o fogo não pegou em alguns elementos inflamáveis que estavam por perto.

Mas após a pergunta daquele senhor, que eu nem imaginava que apareceria por lá, eu que fiquei paralisado. Envergonhado, para dizer a verdade. Pois o homem oferecia, em sua humildade, um vaso de flores e um pacote com uma bela garrafa de vinho como agradecimento. Havíamos arrebentado sua porta e enchido o apartamento de pó químico. Mas ele queria agradecer do mesmo jeito.

Eu não o havia encontrado após o incidente e sabia que o apartamento tinha sido vendido. Ele voltará para Israel. Claro que o incêndio não tem nada a ver com isso, pois a decisão já tinha sido tomada há tempos. Ele até me passou a informação a respeito da sorte que tivemos, pois se fosse em Israel, o fogo teria comido toda sua residência. Disse-me que as portas dos apartamentos são feitas de aço, por causa de assaltos (me surpreendi quando ele disse que não era por causa do medo de bombas).

Com tudo isso, tive uma sensação esquisita, como se aquele acontecimento surgisse de novo. Achei que o proprietário daquele apartamento não apareceria mais, e não tinha nenhum problema quanto a isso. Agora, fica parecendo que a distância entre aquele dia 31 de dezembro e hoje foi encurtada, como uma elipse cinematográfica. Talvez esse seja o efeito do passado trazido para perto. Sei lá, queria apenas terminar este texto com algo meio filosófico. Fui.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Negros, mulheres ou almofadinhas perfumados?

Certa vez, fui acusado de racismo. Eu trabalhava numa espelunca e um cliente me tratara muito mal. Engoli seco, como um bom atendente deve fazer e deixei o homem ir embora. Após a retirada dele, desabafei. “Folgado! Mal-educado! Pulha! Precisava me tratar assim? Foi apenas um mal-entendido!” Eu havia guardado os filmes dele que ele tinha deixado sobre o balcão. Ele estava separando para alugar, mas eu não sabia que eram dele. Ele tinha largado no balcão. As ordens que eu tinha era de guardar qualquer filme que estivesse sobre o balcão. Após ele brigar comigo, fui à cata de todos os filmes, os quais ele acabou levando. Isso foi na época do VHS total, mais ou menos início desta década.

Acontece que este homem era negro.

No dia seguinte, a gerente disse que eu havia sido racista. Que a “maneira” como eu havia me referido a ele tinha sido causada pela raça dele (e não pelo comportamento que ele tivera comigo). Eu sabia que aquela gerente não era um poço de boas intenções, então logo reagi. Após dizer-lhe tudo aquilo que eu pensava sobre suas acusações, peguei o meu boné e fui embora daquela espelunca. Nunca mais voltei. Eu era free-lancer, não possuia vínculos empregatícios. Eu deveria ter ido à polícia fazer uma queixa por calúnia. Mas não fiz isso.

Este episódio serviu para uma reflexão, a qual será utilizada no que será dito abaixo. Se aquele cliente que me tratara mal fosse judeu, eu teria sido repreendido da mesma forma? Ou japonês, ou índio, ou homossexual, ou árabe, ou marciano? Acho que não. Há uma fragilidade comportamental nas pessoas, uma insegurança congênita, que amedronta-as a contrariar ou criticar alguém de outra raça (principalmente a negra, por causa de nosso terrível passado – para não dizer, de forma pejoritava, ‘passado negro’), no receio de inverterem a situação e dizerem que aquelas críticas são devidas à cor da pele e não ao fato em si. Isso é um erro. Exatamente pelo fato de não ser afetado por esta hipocrisia, sinto-me tranqüilo para criticar quem quer que seja, não importa qual a cor, credo, preferência sexual.

E é exatamente por isso que me assunto com a cobertura da mídia a respeito das prévias para a presidência americana. Cansei de ver na televisão e na internet manchetes como “Obama é o preferido pela população negra da Carolina do Norte” ou “Hillary Clinton mantem-se na disputa graças ao voto das mulheres”. Esses candidatos não possuem propostas? Esses candidatos são apenas suportados por sua raça e sexo? Claro que não. Ou seriam os americanos um bando de ovelhas que apenas enxergam a superfície do candidato sem analisar sequer uma de suas propostas?

Pense realmente numa coisa: você acha que os Estados Unidos serão uma nação menos racista se elegerem Barak Obama para a presidência? Ou você acha que serão mais racistas se não o elegerem? Isso é uma estupidez e uma irresponsabilidade, principalmente da mídia. O foco da mídia está exatamente nesta luta de minorias reprimidas que tentam chegar ao poder – os negros e as mulheres. Isso está errado. A mídia deve se concentrar em analisar de forma construtiva as propostas dos candidatos. Sei que os especialistas em política fazem isso. Mas vejo o próprio Jornal Nacional apontar para simplificações, ao invés de aprofundar-se no tema. Vemos algumas rápidas informações de que os candidatos têm propostas para Educação, Economia e Empregos. Claro que eles têm. Mas não sabemos de nada.

O terceiro candidato, John Edwards, é todo bonitinho – diríamos que “uma cara de JFK”. Parece um galã de Hollywood, com seu cabelo arrumadinho e sua pele de bebê. Parece um garoto riquinho da Carolina do Norte, criado nos casarões de aristocracia local. Aí, se ele for escolhido para ser o candidato do Partido Democrata, nós diríamos que ele foi colocado lá pelos outros almofadinhas? Bem, parece que os almofadinhas estão em baixa, suplantados pelos negros e pelas mulheres. Se esta eleição for decidida por estas características e não pelas propostas de cada um, vejo um futuro temeroso pela frente. Seguindo o raciocínio da mídia, gostaria de saber: e as mulheres negras, votarão em quem?

Ao mesmo tempo, questionemos outra coisa: a mídia enaltece os votos de negros e mulheres nos candidatos porque isso realmente acontece, ou isso acontece porque a mídia se preocupa em apontar isso como fator preponderante? (essa é uma das famosas “diacronias Tostines”)

Pensar em tudo isso me fez lembrar do caso que relatei no início deste texto. Senti-me mais aliviado, pois lembro da pessoa que me fez tais acusações e apenas a enquadro entre aquelas que ainda acham que a forma de julgarmos e raciocinarmos neste mundo deve ter como parâmetro as diferenças entre as pessoas e não seus pensamentos.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Peitões... Bundas... Barriguinhas saradas...

- começou o Big Brother Brasil!!!

- e lá vai mais um desfile de beldades, na ânsia de serem famosos, em busca de um rápido lugar ao Sol...

- pode render milhões... seja na casa, seja na revista, seja nos programas (de qualquer gênero - televisivo ou particular), seja como protagonista da novela...

- ah, como é bom pensar que tudo é legal, que a vida é uma festa... que gostaria de estar naquela piscina, jogando água para o alto, mostrando como sou legal...

- hey, Brasil, olha para mim!

- quero pular em frente ao telão, mostrar como amo todos, mesmo aqueles que não reconheço na multidão forjada para alentar meu paredão...

- ah, mas agora dá para ver que não posso ser famoso, pois para ser 'pretendente-a-famoso' no BBB, tenho que ter algo no currículo... tenho que ter saído na VIP, ou sido cantora na França, ser modelo, miss... o espaço dos anônimos é restrito...

- mas tenho que lembrar: o que importa é manter tudo à vista, pois a audiência deve subir... e, ah, como sobe... uma delícia...

- e depois? e depois? Será que é rentável ganhar? Vejo que alguns que não ganharam receberam muito mais... vou pensar, vou pensar... quem sabe minha verdadeira estratégia? nem eu... perder como o mártir da injustiça naquele micro-universo talvez seja o passaporte para render bastante do lado de fora...

- assistir, assistir... será que dá para resistir? criticar é fácil, mas a curiosidade, por mais que seja dolorosa, tem que ser alimentada... e seu combustível é a famosa "espiadinha" diária...

- vergonha, fama, bundões... sei lá... amor, ódio.... o que dizer?

- confuso, né... não se preocupe... quando visto de perto, todo mundo é...

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Catseries - a baleia preta

Quando meus pais foram ao veterinário para adotar os dois gatinhos que estavam destinados a nós, procuraram pela gatinha que eu tinha comentado. Ela era sapeca, super-ativa. A própria veterinária disse que seria uma peste! “Espere ela crescer. Você verá!”, sentenciou, com ecos ao fundo e quase uma gargalhada no final.

Não teve jeito. Ganhei um ‘brinde’. Além dos dois gatinhos gêmeos que vinham para casa, uma gatinha preta e comprida se enrolava com eles, querendo brincar e correr para todos os cantos.

Eu sempre quis ter um gato preto. Dizia que ia chamá-lo de “Félix”, devido à minha falta de criatividade e adoração pelo antigo desenho daquele felino amigo do cientista Poindexter (sem dizer de sua valise que continha tudo e virava tudo o que ele quisesse). Infelizmente, era uma gatinha. Então, em outro surto de enorme criatividade (coisas da genética), meu pai nomeou-a “Blackie”. Não havia solução, senão conformar-me com aquele nome e o azar da gata ser fêmea.

Cerca de dois meses se passaram e chegou a data em que castraríamos os gatos. A expressão de sofrimento daqueles coitados (e coitada!) podia ser vista, como se estivessem numa fila de execução. Alguns pensavam: “Ai, lá se vai o meu pipi”.

Quando minha mãe volta com as vítimas da veterinária, chega rindo de mim. “Adivinha, adivinha”. Nem podia imaginar. “Adivinha, adivinha... Sabe a Blackie?” Eu nem queria pensar. Já imaginei as tragédias, que a gata teve um treco durante a cirurgia e... Credo! Minha mãe continuava devagarzinho, só para me torturar: “A Blackie... A Blackie não é Blackie. Ela é ‘o’ Blackie.” Descobriram próximo da hora da cirurgia que ela não era ela. Ela era ele. Era um menino. Um garotão. Um moçoilo preto e peludo. Fiquei chocado. Como não percebemos? Bem, isso é possível. Enfim, foi possível, né. Culpa da veterinária! Eu não fiquei levantando o rabo do gato para verificar se era macho ou fêmea. Ela falou que era fêmea e eu acreditei...

Agora eu queria que queria mudar seu nome para Félix. Comecei o meu lobby, na tentativa de causar comoção e alterar a alcunha daquele felino que acabara de sair do armário. Tentamos por um tempo chamá-lo de Félix, mas vira-e-mexe o hábito adquirido se manifestava e acabávamos chamando de Blackie. Por fim, seu nome definitivo se tornou Black Félix (como se o Félix do desenho já não fosse preto, né). Enfim, foi o que consegui.

Mais algum tempo se passou e outras novas características afloraram no gatinho. Ganhou muito peso, virou praticamente uma bola. Ficou gordo que nem um beagle. Costumo chamá-lo carinhosamente de “minha baleia preta” ou "meu gato-baleia". Se não bastasse, descobrimos que tem vitiligo. Ele que é todo preto, até às almofadinhas das patas, foi ficando rosado em algumas extremidades. Não faz mal algum, mas agora é um gato multicolorido. Sua boca ficou rosada, algumas almofadinhas também, e parte dos pêlos pretos do cangote ficaram brancos. Mas não pense que ficou feio! Ele é lindo: gordo e rosa, em seu esplendor, com seus olhos amarelos cor-de-gema.

É tão carinhoso, que quando conseguimos levantá-lo do chão literalmente nos abraça com as patas. Pula toda hora em nosso colo, pedindo para aninhá-lo. Imagine com o peso que tem, a delícia quando pousa sobre nós. Mas não é tão peste quanto a veterinária havia calculado.

Bem, este é o segundo membro do Quarteto Fantástico. Como podem ver, cada um possui seus poderes especiais.





sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Borgianas*


“Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca”
Jorge Luis Borges


As folhas estalavam enquanto os pés progrediam naquele jardim amarelecido. A cada passada, o rosto do ancião buscava as imagens de sua memória, arquivadas através do tempo. Os olhos caídos não disfarçavam a vista cansada, e o calo na ponta do nariz acusava as repetidas horas que manteve-se relendo os volumes da biblioteca. Seus setenta anos deixaram marcas físicas. As pernas tinham dificuldade em suportar o peso do corpo, e uma bengala era necessária para sustentá-lo. O peito movimentava-se numa velocidade curiosa, pois alternava o desespero em inspirar o ar com a sofreguidão dos espasmos do diafragma. Enquanto andava, mirava a entrada do labirinto que gostaria de percorrer.

É assim que imaginei Jorge Luis Borges caminhando num dos cenários fantásticos que criou. Aquela figura respeitosa deve ter-se colocado inúmeras vezes, nos mais variados ambientes, como personagem de alguma trama mirabolante que pôde testemunhar nas páginas dos milhares livros que leu. Foi um dos tripulantes comandados pelo Capitão Ahab, em busca da enorme baleia branca que acabou por destroçar o navio. Sentiu na pele as facadas de Martin Fierro, mas estas eram lâminas que não feriam, e sim desenhavam marcas indeléveis em sua alma.

Sempre que possível, citava essa obra de José Hernandez. Num de seus ensaios, fez questão de frisar a “não-intenção” deste em transformar aquele poema numa das obras pontuais da literatura argentina, como acabou tornando-se. Porém, foi desta falta de intenção que brotou o gênio de Martin Fierro, e toda a cerne do gaucho (sem acento) dos pampas, que tornou-se figura lendária e folclórica. Nas palavras de Borges estavam a definição do que ele próprio se tornaria. Quando quis expressar a falta de pretensão de Hernandez, descrevia o sucesso e o respeito que sua própria obra viria a ter.

No momento que eu olho os volumes de suas Obras Completas expostos na minha prateleira, tento descobrir dentro de mim quais as sementes que foram plantadas no meu interior. É importante eu poder dizer que li a respeito do Vathek de Beckford, ou que sou íntimo de Alonso Quijano. Que sei a importância de um homem como Macedônio Fernandez na vida de Borges — assim como este é importante para mim. Percorri os diversos poemas que escreveu no início de carreira e emocionei-me com sua delicadeza imagética, o detalhe de suas descrições. Porém, o que germinou nas minhas entranhas foi esse interesse incondicional à absorção de quaisquer leituras disponíveis.

Leio seus estudos e tento vislumbrar esse desespero que tinha pelo conhecimento. Deixou de ser paixão pelos livros. A paixão, por mais que dure, tem como característica a temporalidade e sua instabilidade. De acordo com alguns, se não fosse instável, não seria paixão. A relação de Borges com a literatura, na realidade, foi uma obsessão. Ao escrever esta palavra veio-me à mente uma idéia negativa. Um homem enlouquecido, escalando prateleiras para chegar ao topo e buscar um volume empoeirado. Esta cena seria muito provável mas, ao tratarmos deste escritor argentino, está longe de ser uma situação negativa.

Na questão do conhecimento, acho difícil encontrar uma leitura mais proveitosa do que aquela na qual podemos perceber o sentimento interno do escritor. Em Dostoievski, podemos sentir o questionamento interior e os dilemas de uma psique perturbada. Kafka demonstra o retrato da mente caótica e ciente do universo nonsense no qual imergira — ou seja, o paradoxo da perturbação, que consiste nesta junto à consciência da mesma. Esses autores ativam em mim uma reflexão existencial que difere do estudioso argentino. Enquanto descubro meandros inexplorados da minha consciência, por meio de O Processo ou Memórias do Subsolo, Borges faz pulsar outra parte de mim.

Quando leio Borges, percebo aquele homem plácido e de olhos vidrados percorrer as linhas dos livros com o dedo indicador, e parar a cada instante para anotar algo que lhe interessara. Procuro fazer o mesmo, não tenho pressa em terminar. Assim como ele, tento buscar nas linhas ocultas a essência da expressão do homem, que consiste em idéias escondidas entre os espaços das palavras, que somente serão encontradas se analisadas com cuidado. Após isso, colocava-se freneticamente a registrar suas impressões, momento no qual surgiram seus reconhecidos prólogos e as análises de Dante e Shakespeare — ou Carlyle e Whitman — e outra centena de autores.

À medida que tanta criação acaba por inspirar os sentidos criativos, o argentino enveredou pelos contos e poesias, os quais refletem ainda mais suas referências culturais, desde a literatura erudita até a mitologia nórdica e as histórias do Oriente.

A cegueira gradual que foi diminuindo sua visão não o abalou. O escritor sabia que sua doença era congênita e que estaria condenado a isso. Acredito que por esse motivo preocupou-se tanto com a percepção da riqueza das imagens nos seus trabalhos. As discussões filosóficas ficaram em segundo plano, enquanto a beleza da descrição de um episódio ou a complexidade dos entrelaçamentos narrativos mostraram-se muito mais relevantes. Numa palestra a respeito do tema “A cegueira”, disse a seguinte frase: “A cegueira é uma clausura, mas é também uma libertação, uma solidão propícia às invenções, uma chave e uma álgebra”.

Tenho uma pessoa querida que está passando pela mesma aflição de ter que afastar-se da leitura. A escuridão cresce e mistura-se às letras negras impressas no papel. E, junto a estas letras que desaparecem, some aquele sentimento de participação e testemunho das proezas de personagens maravilhosos, como os inúmeros contidos nas mil e uma histórias de Cheherazade. A sensação de vazio neste momento é como a de um diabético que é proibido de ingerir açúcar, ou de um velocista que não pode mais correr.

Sei que isso poderá acontecer comigo. A genética é infalível, assim como a consciência de sua comprovação. O tempo persegue o seu objetivo, que trata-se de encaminhar-nos aos nossos destinos. A partir do momento que o meu poderá tratar-se da privação da leitura, procuro seguir o exemplo deste grande autor.

Borges, para proteger-se de sua sina, procurou absorver a maior quantidade de estudos que pôde por toda a vida. Por fim, tornou-se algo similar ao aleph que descreveu num de seus contos. Era capaz de conter, num único ponto — que seria ele próprio — a amostragem de toda a diversidade de acontecimentos, sabedoria, paisagens e personagens existentes no Universo. E é por isso mesmo que o vejo caminhar por seu jardim de veredas que bifurcam, craquear folhas e relembrar cada lombada dos livros que mascaravam galáxias diversas, comprimidas em singelos volumes.


*texto publicado em 2005 pela Revista Paradoxos, da Universidade Mackenzie, e posteriormente em diversos sites.

**a ilustração contida nesta postagem não possuia crédito, mas foi retirada do link: http://charlesblake.wordpress.com/2007/06/22/biblioteca-personal-jorge-luis-borges

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Fogos de Ano Novo.... antes da hora!

Vocês devem imaginar que vou escrever sobre o Ano Novo. Mostrar como a entrada de um novo ano será positiva para todos nós. Bem, eu tinha essa intenção, mas fatos ocorreram que me fizeram mudar de objetivo.

O que vou relatar acaba de acontecer. Iniciou aproximadamente às 19h00 de hoje, 31 de dezembro de 2007, três horas antes da virada.

Estava em meu quarto lendo uma revista, anotando os filmes que iria gravar no mês de janeiro. A revista Monet chegou atrasada e eu tentava recuperar o tempo perdido. Olho filme por filme, pois de vez em quando há alguma “pérola” escondida no meio da programação e eu não quero perder. Então, eu estava em meu quarto quando comecei a escutar um burburinho. Minha mãe falava de forma exaltada e estranhei, pois parecia que brigava com alguém no corredor. Levantei e, no meio do caminho, encontrei com ela:

- Hugo, está pegando fogo no andar de cima! Vai lá ver!

Foi o tempo de colocar o sapato e vestir a camisa e eu já estava no andar de cima. Do apartamento 144 saía muita fumaça pelas frestas da porta. Já havia um homem na porta, com dois extintores, um de água e outro de pó químico. Pelo cheiro, achávamos que era fio queimado. O hall já estava quase tomado pela fumaça e o zelador não chegava com a chave do apartamento. Não houve alternativa: com quatro chutes meu irmão arrombou a porta. Atentem-se ao fato que eu já havia verificado se a porta estava quente. Para aqueles que não sabem, é importante este procedimento para que saibamos se não há fogo próximo à porta. O risco está de, ao abrir a porta, o fogo desesperado por oxigênio correr em nossa direção. Mas estava tudo certo quanto a isso. No que a porta foi arrombada, meu irmão e o outro homem correram para dentro do apartamento enegrecido pelo breu da fumaça. Eu corri para a cozinha e desliguei a chave geral do apartamento, para que o fogo não se espalhasse pela corrente elétrica.

Enquanto esvaziavam os extintores, corri para os outros andares na busca de outros butijões. Passei pelo apartamento dos meus pais e eles já estavam colocando os gatos nas casinhas para levar para o térreo do prédio. A situação estava feia. Enquanto isso, minha mãe já tinha descido para a casa da minha avó para também levá-la para o térreo.

Encontrei um extintor no décimo primeiro andar e subi correndo. O fogo ainda comia a parede e despejei todo o conteúdo sobre a tomada incendiada. Logo em seguida puxamos os móveis para longe. Acreditem que perto do foco de incêndio havia vários objetos inflamáveis: um sofá, tapetes enrolados, bancos de madeira, caixas de papelão. Estava tudo pelando, mas ainda não pegavam fogo. Após extinguir o fogo, pegamos os extintores de água e resfriamos o local. Tudo isso em menos de três minutos. Tivemos que ser rápidos. O perigo era grande. Maior do que quando apaguei o fogo na apartamento de minha avó há alguns anos.

Em seguida, outros moradores, de apartamentos de andares inferiores, foram chegando. Cada um com um extintor em mãos. Arfavam de cansaço. Enfim, eu apenas subi do 13° ao 14°. Um deles veio do 7°, o outro havia subido as escadas desde o 3°. Em seguida chegaram os bombeiros. Fizeram a verificação e anotaram o nome do meu irmão, que havia arrombado a porta. Disseram que fizemos o certo, pois cinco minutos a mais e tudo teria espalhado. O proprietário estava viajando, não havia muito o que fazer.

Depois disso, começou a epopéia de consertar a porta. Não podíamos deixá-la aberta. Estava com o trinco arrebentado e o batente partido. Levamos aproximadamente uma hora para resolver. Ou seja, a porta deu mais trabalho que o fogo em si.

Nós três que entramos no apartamento primeiro parecíamos três carvões. Era fuligem e pó químico pela roupa inteira. Meu sapato preto agora era cinza. Meu rosto estava todo pintado (após o banho, a parte inferior de minhas pálpebras ainda estavam pretas. Parecia que eu tinha me maquiado).

Mas foi isso. Ainda estou com gosto de fumaça na boca. Acho que será necessário comer muito na ceia de Ano Novo, para melhorar. Vou esperar a virada, mas posso dizer que de fogos de Ano Novo já tive a minha cota pelo dia de hoje.

*P.S. em 03/02/2008: Veja a continuação deste caso em http://hugoharris.blogspot.com/2008/02/recapitulando.html *

sábado, 22 de dezembro de 2007

Gritos, confusão, convicções e muito o que pensar

Hoje passei por uma situação. Não coloquei um adjetivo, pois não consigo decidir exatamente como avaliá-la. Não sei se foi uma situação incômoda, se foi uma situação péssima, ou se foi uma situação curiosa. Quem sabe, escrever este texto me ajudará a qualificar.

Como em muitos sábados, vou com meus pais almoçar numa lanchonete. É sempre a mesma lanchonete, a qual meu pai freqüenta há mais de quarenta anos. Começou a almoçar lá quando era estagiário-voluntário no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na época em que cursava a Faculdade de Medicina. Quando casou, levou a família e, até hoje, vamos lá.

Almoçávamos tranqüilamente, quando fomos interrompidos por uma mulher que falava muito alto. Pedia para que a ajudássemos com qualquer quantia, pois seu filho sofria de paralisia cerebral. De pé, seguro por ela, que o agarrava pela cintura como se fosse um boneco, estava o filho. Era maior do que ela. Aquela senhora não deveria ter mais de um metro e sessenta.

O que impressionou foi a maneira como ela se dirigia a todos nós. Falava num tom muito alto, e fez a lanchonete silenciar. Meus pais e eu estávamos no segundo ambiente, o que a faria demorar para chegar até nós. Observei de longe, pois achei seu comportamento diferente do que já testemunhei daqueles que necessitam da caridade de outrem. Quando se aproximava de alguma mesa, sempre tinha algum comentário para fazer. Provavelmente agradecia. Algumas pessoas deram-lhe dinheiro, outras não. Essas também recebiam comentários, os quais naquele ponto eram inaudíveis para mim.

Ela chegou ao segundo ambiente, mas ainda demoraria para chegar perto de nossa mesa. Estávamos no fundo, próximos à entrada da cozinha. Neste instante, pude ver um pouco mais de perto o que fazia aquela mulher. Arrastava o filho e pedia de mesa em mesa, ainda num tom alto. Quando fazia algum comentário, já era num tom mais baixo. Mas agora estava mais perto, eu podia escutar.

Ao receber alguma nota, ela dizia: "Obrigada àqueles que me ajudam", mas logo emendava "E aqueles que não ajudam, que vão ao diabo". Achei que não tinha entendido. Continuei a observar. Vi ela chegar mais perto e, quando chegou às duas mesas que precediam à nossa, os detalhes foram enriquecidos: "Não vão me dar dinheiro, mas isso pode acontecer com vocês", sempre num tom ameaçador e agressivo – o dedo em riste. Na outra, foi mais direta: "Então vai tomar no cu. Vai se foder." Em seguida, chegou à nossa mesa.

Não íamos dar dinheiro a ela. Quando ela virou para nós que, como disse, estávamos perto da cozinha, o garçom apareceu para retirá-la. Mas isso, sem antes escutarmos: "Não encoste em mim. Vai se foder. Você vai ver se encostar um dedo em mim." Lembre-se: isso tudo, com o filho sendo carregado pela cintura, e os braços dele a balançar pelo ar. Era uma cena muito triste, mas era sobrepujada pela atitude da mãe. Esbocei dizer para ela que não deveria xingar todas aquelas pessoas, mas logo ela já estava longe de mim. Senti-me mal.

Rapidamente, ela já estava na primeira mesa, na outra extremidade do ambiente em que almoçávamos. Era ao lado de uma mesa que tinha pais e três crianças de aproximadamente sete anos. A mulher gritava, ameaçava para que ‘não se atrevessem’ a encostar nela. Vi o segurança aproximar-se e tentar conversar. Ela estava intransponível. Continuava a xingar, a falar palavrões. Até que o segurança agarrou mãe e filho e quis retirá-los do local. Naquele momento, as pessoas que estavam no primeiro ambiente correram em direção ao confronto, para ajudar a mulher. Curioso dizer que quem estava no segundo ambiente não fez o mesmo. Acredito que não puderam ouvir exatamente o mesmo que tínhamos ouvido. Seria uma estupidez dizer que a lanchonete se dividia em boas pessoas (aqueles que estavam no primeiro ambiente) e más pessoas (aqueles que estavam no segundo).

Meu pai havia alertado a nós que, caso tentassem removê-la do local, haveria aqueles que correriam em seu socorro. Nos hospitais ocorre o mesmo, quando é necessário remover algum paciente ou acompanhante que tumultua o ambiente.

Quando olhei, o rapaz estava sozinho, largado, encostado à parede. A mãe agora preocupava-se em brigar. A muvuca demorou um pouco para se dissipar, mas terminou graças a algum arranjo diplomático por parte do segurança, de alguns garçons, alguns freqüentadores e a mãe do rapaz.

Não conseguíamos mais comer. Eu perdi a fome. Minha mãe não falava nada, mas vi que o estômago dela tinha virado. Ninguém mais se sentia confortável naquele lugar.

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Após este relato, que sei que em muitos aspectos acende as convicções de várias pessoas, tenho alguns questionamentos a fazer. Foi proposital descrever o fato que testemunhei da maneira que fiz acima, sem expor muito minha opinião.

Algumas coisas surgem em nossas cabeças quando vemos coisas deste gênero acontecerem. Coloco abaixo, apenas para direcionar um pouco a discussão.

* Até que ponto aquela mulher excedeu em seus direitos, ao clamar ajuda para seu filho? Tinha o direito de xingar e ofender as pessoas que estavam dentro da lanchonete? Pense que ela deve ter um histórico de dificuldades, sofrimento, e que poderia estar em seu limite. O desespero pode causar comportamentos surpreendentes, variando da fuga à violência.

* Qual a verdadeira assistência que existe em nossa rede pública de saúde, na qual sabe-se que este não é o único caso, muito menos o último? A rede burocrática impede que os mais necessitados consigam pronto atendimento e acompanhamento, o que estende o calvário de pacientes e familiares. Neste ponto, vemos como a ineficiência da máquina pública (lembre que estávamos ao lado do Hospital das Clínicas) reflete diretamente na sociedade. Num primeiro plano, na vida daquela mãe e filho. Colateralmente, no resto da sociedade. Aquele foi um fato isolado, mas uma metonímia de um caos que já se esboça. Poderíamos ir mais longe, pois há outros exemplos. A violência galopante também é devida à carência da sociedade. Mas não vamos mudar o foco.

* Deve-se dar esmolas? Qual a maneira correta de contribuírmos à sociedade, aplacar um pouco as diferenças e melhorar as condições daqueles que pouco têm? Acredito que a esmola não é o recurso mais eficiente (Já ouvi em alguns lugares que é eficiente para nossas consciências, pois pagamos e a pessoa vai embora, “não nos incomodando mais”). Prefiro a assistência direta dentro da comunidade, das entidades. Mas cada um deve respeitar as suas próprias convicções. Ninguém tem o direito de dizer o que as pessoas devem fazer ou não, contanto que façam por boa vontade, não por obrigação.

* Você concorda com a atitude do segurança?

* Muitas pessoas revoltam-se ao ver uma cena como a do segurança expulsando aquela mãe com o filho doente. Isso ficou ilustrado pela atitude dos freqüentadores que foram em sua assistência (aqueles que eu disse que estavam no primeiro ambiente). Mas pergunto: qual a diferença entre o direito daquela mulher e de cada uma das pessoas que estavam dentro da lanchonete? Seja os direitos daqueles que a ajudaram, daqueles pais que estavam com os três filhos, dos casais que vi serem mandados à merda, ou os meus e de minha família. Não quero parecer indiferente aos problemas daquela mulher, mas acredito que esta seja uma questão relevante.

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Por fim, posso dizer que achei o adjetivo que buscava. Não há outro que exprima melhor. A situação foi triste mesmo. Já tinha escrito isso antes, e é assim que permanecerá. Tudo isso que eu coloco em discussão apenas ilustra uma maneira de refletir sobre algo, sem ir direto ao recurso de julgar.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Catseries - o mito do gato de bom coração

Rabo de esquilo, vesgo, cinza malhado, bigodes curtos... Você deve imaginar que descrevo um animal híbrido, sem identidade, uma "coisa horrível". Muito se engana.

Foi batizado num momento de iluminação. Nunca um nome foi tão acertado. Se a intenção fosse aliar nome e comportamento, dificilmente a alcunha seria mais perfeita: Dengoso. Ele era apenas uma bolinha de pêlo. Feio. Era muito feio. Como disse no texto anterior, quando pequenos, ele e seu irmão gêmeo couberam em uma única palma de minha mão. Frágeis e fracos. Tinham sido abandonados muito pequenos, e a veterinária teve que tomar cuidados especiais. Dentro de casa, eles brincavam bastante. Isso tranquilizou a todos que, no início, estavam relutantes sobre a possibilidade de sobrevivência dos filhotinhos.

Na dúvida sobre os nomes que deveriam ser dados, este foi o que apareceu. Minha mãe que achou que ele "tinha cara de dengoso". Aceitei o nome, talvez uma estratégia política para que aceitassem o que eu tinha escolhido para o outro. Mas a história do outro ainda está para ser contada, então não entrarei em detalhes.

No fim, nada foi mais justo. Os filhotes cresceram e o Dengoso se tornou o gato mais carinhoso. Quem chega em casa pode ver a atitude dele. Ele vem correndo em sua direção e sobe em nossas pernas para pedir agrado. Dependendo de nossa proximidade, sobe no sofá e esfrega a própria cabeça em nossas mãos para sentir um afago, mesmo que naquele instante não tenhamos a intenção. Quando alguém toma banho, vai até a área de serviço e sobe no parapeito da janela basculante para miar e chamar a atenção. Dependura-se na janela e tenta olhar o outro lado, o que já lhe causou uma queda para o outro lado e um enorme susto.

Suspeitamos que ele e o irmão sejam cruzamento de gato persa com siamês. Dengoso ficou com algumas características do persa. O rabo peludo, por exemplo. Quando pequeno, seu rosto era bem redondo, mas ao crescer perdeu essa característica. Mas o rabo está cada vez mais peludo. O resto do corpo lembra bastante o de um siamês.

Dos quatro gatos, é o mais frágil de todos. Tanto que seus "irmãos" abusam. Comem seus bigodes, o que o torna cada vez mais molenga (pois, como é conhecido, o gato perde parte do equilíbrio sem seus bigodes). Mas isso não o assusta. Sempre está a enfrentar os outros em lutinhas. Mete os dentes no pescoço de um, agarra e puxa o cangote do outro. Encara-os nos olhos. Sempre como brincadeira. Nenhum deles nunca brigou seriamente.

Adora ser jogado para o alto. Parece uma criança. Não age que nem um gato normal. Jogue um gato para o alto e o verá se contorcer para retomar o centro de gravidade e cair com as quatro patas. Dengoso voa mole e cai mole. Sorte que esses humanos o pegam no ar.

A gente pode fazer o que quiser com ele. Toda brincadeira é alegria. Chegou até a parecer um bichinho de pelúcia quando fiz a maldade de apertá-lo no peito e ele apenas soltou um mio baixo. Não esperneou, não reclamou. Não me deu a dentada que eu merecia. Enfim, Dengoso é um gato de bom coração.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Catseries - o nascimento do Quarteto Fantástico

Quando perdemos nossa gatinha, foi como se uma pessoa da família tivesse morrido. Ela ficou conosco por oito anos e, mesmo que tivessem sido vinte, pareceriam muito pouco. Chorei muito no ombro de amigos, alguns sem entender por que um marmanjo de quase trinta anos estava tão triste por causa de um bichinho que sabemos que não durará tanto tempo quanto nós.

Mas é incrível a afeição que eles fazem brotar em nós. Depois da partida de Jodie, minha mãe tinha dito que não queria mais nenhum gato na casa. A companhia era muito gostosa, mas no final realmente todo mundo sofreu. Meu pai dizia para eu ter paciência com o sentimento de minha mãe, aguardar a ferida cicatrizar, que na hora certa poderíamos "seduzi-la". E não demorou muito.

Certo dia, meus pais viajavam quando a veterinária ligou. Queria que fôssemos até lá. Eu questionei a razão e ela disse que tinha dois gatinhos que queria que meus pais dessem uma olhada. Mesmo com a ausência de meus pais, a veterinária insistiu que os gatos eram o nosso perfil (??? Como assim, nosso perfil?). Mas não tinha jeito, eles estavam longe e eu não poderia pegar os gatos e trazer para casa sem mais nem menos. Mas não agüentei. Tive que ir até lá, nem que fosse para matar a minha curiosidade.

Quando cheguei ao Pet Shop, fui levado diretamente para o "quarto" dos gatos. Achei que ia encontrar os dois bichaninhos escondidos num canto, amedrontados. A porta se abriu, e era um verdadeiro "mar de gatos". Definitivamente, havia mais de trinta gatos espalhados pelo chão. Todos muito bem cuidados, brincando uns com os outros. Tentei adivinhar quais eram os gatinhos, e previamente me afeiçoava por um ou outro. Naquele ponto, tanto fazia qual gato ia levar. Mas a veterinária fez questão de apontar os exatos dois com os quais ela queria nos presentear: eram dois gatinhos branquinhos, minúsculos. Cabiam os dois juntos numa única palma de minha mão. A condição era levar os dois. Eles eram da mesma ninhada e haviam sido abandonados. Desde que nasceram ficaram juntos e juntos permaneceram até aquele momento. Ela não achava justo separá-los. Confesso que achei eles um pouco feinhos, mas fiquei comovido com as intenções da moça. Ao mesmo tempo, eu olhava outros gatos, brincava um pouco e matava um pouco da saudade de ter um bichano para "perturbar" (enfim, filhotes adoram ser "perturbados"). Tinha uma gatinha preta que achei linda e mais outros que gostei.

Voltei para casa decidido a ligar para meus pais e contar a história. Minha mãe não foi muito animadora no telefone, então logo tentei me desiludir. Tentei jogar um charme, elogiar os gatos como se fossem tesouros, mas já colocava em minha mente que deveria esquecer. Enfim, fazia apenas dois meses que a Jodie havia morrido.

No dia seguinte, toca o telefone em casa e minha mãe está do outro lado:

- Hugo, estou chegando em casa. Seu pai quis ir direto para o Pet Shop. Nem quis passar em casa.

Pensei que minha mãe ficaria em casa, mas apenas deixou as malas e foi correndo para a Veterinária. Algum tempo depois, ela liga para perguntar se eu também queria a gatinha preta, pois estavam dispostos a adotá-la. Claro que aceitei.

Para quem havia se acostumado a ter uma única gata em casa, agora haveriam três. Seria uma revolução. Quando meus pais chegaram, vieram aquelas três pecinhas peludas e mais sacos e sacos de comida de gato e areia sanitária. A festa ia começar.

Achei que ia dar um trabalhão. Mas acho que não estavam satisfeitos. Cerca de três semanas depois, cheguei em casa e havia uma nova surpresa. Um outro gato, um pouco mais velho que os três pequeninos que havíamos adotado, encontrava-se na sala, assustado e arisco, com os olhos quase fechados por causa de alguma infecção. Um gato lindo, rajado.

Isso tudo aconteceu no ano de 2005. Eles estão conosco e hoje estão bem grandinhos. São o nosso Quarteto Fantástico. Nesta "Catseries", escreverei um pouco a respeito de cada um deles. Assim, aqueles que não tiveram a oportunidade conhecerão um pouco mais de perto esses meus "irmãos" de pêlos.

Em 2005:

Em 2007:

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Até quando?

Ontem ocorreu um acidente gravíssimo na Rua dos Trilhos, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Havia seis jovens dentro do carro que se estraçalhou no poste. Três morreram na hora, outro morreu um pouco depois. Dois estão internados, sendo que um em estado muito grave. Jovens na faixa dos 19 anos.

Quem é jovem (ou já foi jovem) sabe que somos inconseqüentes nesta idade. Achamos que podemos tudo e que nada nos acontecerá. Nestes momentos, dizemos que "essa conversa de que é perigoso é para os fracos!" Até o dia em que a desgraça acontece. Sorte daqueles que têm uma segunda chance. Muitas vezes, no primeiro vacilo, a vida, que é tão frágil, se esvai. Pode ser um acidente de trânsito. Pode ser um assalto. Pode ser a bebida. Podem ser estes fatores combinados de alguma maneira.

Difícil conscientizar o jovem de que deve ser mais prudente. Aqueles que são mais prudentes sempre são tachados de "chatos". Bem, é melhor avaliar o que vale mais a pena. Claro que as fatalidades são inevitáveis, pois até os prudentes sofrem acidentes (enfim, a própria palavra já define que não é intencional). Mas tenha certeza que não são os prudentes e responsáveis os que mais passam por estas situações.

Nestas horas, devemos pensar em nossas famílias, em nossos amigos. Por um momento de adrenalina, colocar em risco toda uma existência, um histórico, o bem-estar dos familiares. Pois não se esqueçam: o maior problema não é para quem morre, o maior problema é para quem fica. Se nós formos irresponsáveis, depois há outros que pagarão com sofrimento devido a nossos atos.

Fico triste por ter visto outro acidente fatal pela cidade. Sei que há muitos, diários, com motoqueiros, motoristas, atropelamentos e capotagens. Vamos torcer para que as pessoas coloquem a mão na cabeça e valorizem um pouco mais as coisas certas da vida.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Publicação sobre nada

Entrei aqui com a vontade de escrever sobre nada. Não sobre o "Nada", com letra maiúscula, um substantivo masculino de pompa que pode guiar uma discussão em direção a um conceito filosófico complexo. Não, não é nada disso.

Havia um tema sobre o qual queria escrever. Logo desisti. Mas não queria deixar de escrever algo. E, como disse Fernando Sabino numa crônica que li há muito tempo, é muito difícil se deparar com a tela branca do computador à sua frente (acredito que ele, na verdade, falou algo sobre a folha branca numa máquina de escrever, a aguardar o choque das pesadas teclas e da tinta do carretel).

Cheguei à conclusão de que não queria falar sobre nada. Coisa nenhuma. O dicionário dá outra definição para o vocábulo: pronome indefinido. Exatamente! Indefinido. Há outras definições, mas não interessam neste momento, pois já que não queria escrever sobre nada, não é sobre o nada que escreverei. Não é por falta de tema, não é para ilustrar algum 'vazio existencial'. Não é o cansaço após um dia inteiro de trabalho. Simplesmente, nada foi o que apareceu. Nada foi o que deu vontade.

Mas não sou de me dar por derrotado. Mesmo sendo nada o que surgiu, não deixarei de escrever. Fazer um elogio a nada é uma forma de valorizar quando o "algo" surge e podemos incrementá-lo a ponto de transformá-lo em "alguma coisa". A cabeça que parece nada conter, nestes momentos procura um grânulo qualquer perdido em seu interior e faz ele se movimentar, correr, ricochetear pelas paredes até que se multiplique ou faça ecoar algo por meio de sinapses luminosas - lamparinas.

A contradição está no fato de dizer que havia ao menos um grânulo dentro da cabeça. Não era nada. Não que não era nada, coisa alguma. Não era um nada. Era um grânulo de idéia. Assim, a questão está em como percorrer o caminho entre nada e o grânulo que teremos que cultivar. É algo complicado e demandará muita discussão. Porém, já que eu havia decidido escrever sobre nada, pararei por aqui.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Incomensurável

Trecho do livro "A Dança do Universo", de Marcelo Gleiser:


“Vivemos num Universo povoado por um número gigantesco de galáxias, espalhadas pela vastidão do espaço cósmico. Nossa galáxia, a Via Láctea, é apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente irrelevante. Nosso planeta não ocupa uma posição especial no sistema solar, nosso Sol não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e nossa galáxia não ocupa uma posição especial no Universo. O que temos de especial é a habilidade de nos maravilharmos com a beleza do cosmo.” - pág 353
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Somos um pequeno grão de sal dentro do mar ruidoso. Movimentamo-nos à medida que as águas viajam e, para quem observa de longe, passamos imperceptíveis. Somos parte integrante, ou somos constituintes? Até que ponto há relevância em nossa existência?

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Desespero das traças compulsivas

Até os meus 18 anos, eu não era um grande fã de livros. Aqueles que me conhecem há muito tempo sabem que apenas comecei a me dedicar a eles após trabalhar numa grande livraria e descobrir o verdadeiro valor da escrita. Acreditem: eu já estava na faculdade. Aqueles que me conhecem também terão escutado a justificativa para os 18 anos anteriores, nos quais reneguei a literatura: a culpa era do ensino, que nos força a ler livros clássicos brasileiros, para os quais não estamos preparados quando temos 14, 15 anos. Peguei aversão à leitura e apenas quando li Machado de Assis e outros (perto dos 22 anos) percebi o tempo que havia perdido. Desde lá, tento recuperar o atraso.

Porém, há momentos em que a gente se arrepende até de amar os livros.

Foi um desespero total. Claro que é um desespero "bom", mas quem já esteve lá sabe o que quero dizer. Todo final de ano há a Feira de Livros na FFLCH-USP. Diversas editoras comparecem, e vendem livros de seu catálogo (todos novos) com 50% de desconto ou mais. Há pessoas que aguardam o ano inteiro para comprar livros apenas neste evento. Este ano não me comportei assim, mas acho que farei isso a partir do próximo ano.

A feira começou na quarta e durará até hoje, sexta-feira. Fui nos dois primeiros dias e já "me proibi" a ir hoje. Cada dia fiquei aproximadamente três horas. Não vou nem mencionar a quantidade de livros que comprei, mas apenas digo que foram muitos. E, pior: muitos mais deixaram de ser comprados.

Para quem gosta de livros, a experiência de ir àquele formigueiro que é este evento (ou seria melhor dizer que eram traças que lá estavam?) é dolorosa. São muitas opções. Editoras que têm em seu catálogo livros caríssimos, fazem com que eles se tornem acessíveis quando dão desconto. Uma delas é a Cosac & Naify, um dos estandes mais concorridos. Não ficou muito longe de outras editoras, como a 34, a Conrad, a Perspectiva e a Edusp. Várias outras editoras universitárias também compareceram.

Fui com o Fred, um grande amigo, e também aficcionado por livros. Também entrou em desespero. Levamos listinhas com livros desejados e mais um bloquinho para anotar aqueles que passaríamos a desejar. Tinha estandes que até evitávamos parar, pois sabíamos que encontraríamos algo irrecusável, principalmente por causa do preço. É uma compulsão. É o que poderíamos chamar de uma "doença boa". Serve também para aqueles que querem comprar presentes de Natal. Por que não? Como a minha querida avó diz: "Livro é presente de amigo". Ainda mais os livros de excelente qualidade oferecidos nesta feira que já se tornou tradicional no campus da USP.

Para aqueles que quiserem conferir, sei que a feira ainda ocorrerá hoje (dia 23/11), das 9 até as 19. Mas não tenho certeza se vai até um pouco mais tarde (talvez chegue até as 21h). Se quiserem vivenciar o mesmo desespero que eu, EU RECOMENDO!