quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Olhares cotidianos - para conhecer Eliane Brum

para Fred Linardi

Quando me ofereceram as crônicas de Eliane Brum para ler, li com muito interesse. Vinda do sul de nosso país, nós – os paulistas metidos – a conhecíamos pouco. Hoje ela trabalha na Revista Época, mas ficou anos e anos no Zero Hora. E foi neste jornal que escreveu as linhas que podemos apreciar em “A vida que ninguém vê”.

A arte do jornalismo não se limita a retratar um acontecimento. Isso qualquer um faz. Mas saber transparecer o olhar a este acontecimento, distrinchar suas “simples complexidades”. Ah, esta sim é uma arte. A sensibilidade de observar o cotidiano e expor suas vísceras em palavras cuidadosamente lapidadas em frases objetivas, claras e saborosas.

Mergulhei em cada vida contada nos curtos textos, desde o drama do comedor de vidro que questiona seu talento, quanto a cisma do vendedor cego de bilhetes da Mega-sena em entoar num volume alto sua propaganda. Sentimos a força do texto ao ler o drama de Antonio que tem o filho recém-nascido morto, mas não consegue enterrá-lo propriamente. A pele arrepía-se ao descobrir a história por trás do doce velhinho dos comerciais, que antes teve que arrastar-se pelos ásperos solos nazistas.

Cada relato é um olhar. Eliane Brum tem trabalho ao despir as próprias defesas e deixar-se aberta a qualquer possibilidade. Seja de acontecimento, seja das pérolas que podem sair da boca de seus personagens.

Porém, a lição que fica é mais jornalística do que literária. No texto conclusivo do livro, a autora diz que foi muito influenciada por um professor da faculdade, chamado Marques Leonan. Ela diz que o lema principal dele era “repórter não tem o direito de ser ingênuo”. Eliane Brum demonstra perspicácia ao conseguir extrair os relatos mais contundentes e surpreendentes daqueles com que conversa. Nestas horas, não tem como esquecer Eduardo Coutinho, outro mestre nesta arte. Melhor ainda, leio na orelha do livro que a bela autora também tornou-se documentarista. Essa não posso perder.



A vida que ninguém vê
Eliane Brum
Arquipélago Editorial
R$ 32,00

Um comentário:

Anônimo disse...

Caríssimo Hugo,
Fico feliz que tenha gostado do livro. Acho que todos deveriam ler os relatos narrados em suas páginas. Eles são a prova de que, ao contrário do que o jornalismo convencional no faz crer, o mundo não é convencional como ele, os fatos não estão fechados e não há verdades absolutas, pelo menos ao alcance dos jornalistas. O que nos resta é lidar com essas "simples complexidades" de forma honesta e cientes do nosso próprio limite, mas sem ingenuidade, permitindo as pessoas falarem conosco e a inspirição vir na hora de escrever.
Obrigado pela lembrança. Um dia eu chego lá também. hehe!
Abração,
Fred